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Neuropatia - Introdução:

  • Foto do escritor: Simplifica Neuro
    Simplifica Neuro
  • 21 de jul. de 2020
  • 9 min de leitura

1 Anatomia básica e aspectos funcionais dos nervos periféricos:


O Sistema Nervoso Periférico (SNP) corresponde às estruturas neurológicas fora do encéfalo e medula espinhal, portanto, desprotegidas do arcabouço ósseo do crânio ou coluna vertebral.

Este conjunto de nervos e gânglios se localiza fora da pia-máter com exceção do nervo óptico e do bulbo olfatório que são extensões especiais do encéfalo. Em linhas gerais, os nervos são formados por axônios de neurônios e são classificados como:

  • Motores

  • Sensitivos

  • Mistos

  • Autonômicos

No segmento cefálico, os nervos recebem o nome de nervos cranianos (NC) e distribuem-se aos pares, totalizando 12 pares. Após origem dos nervos olfatório e óptico, a origem e distribuição obedece uma sequência crânio-caudal. Inicia-se no mesencéfalo com o oculomotor (NC III) até a região do bulbo com o nervo hipoglosso (NCXII).

Os nervos que tem origem na medula espinhal são denominados nervos espinhais. Da porção anterior da substância cinzenta da medula (corno ou ponta anterior) partem os axônios motores. Esses diversos prolongamentos assumem macroscopicamente aspecto de raiz (raiz ventral ou raiz anterior). Essa é a origem das fibras motoras dos nervos periféricos.

No mesmo segmento medular observamos outras raízes no aspecto posterior da medula. Essas raízes são denominadas raiz dorsal ou raiz posterior. A raiz dorsal representa prolongamentos axonais que chegam a medula. Essas fibras são provenientes de um conjunto de neurônios de uma estrutura anexa a raiz dorsal denominada gânglio da raiz dorsal e carreia fibras sensitivas.


O neurônio do gânglio da raiz dorsal é especial do tipo pseudounipolar. Seu prolongamento central forma as raízes dorsais. Enquanto seu prolongamento periférico une-se as fibras motoras da raiz ventral para finalmente formar o nervo periférico

Após sua formação, os nervos periféricos espinhais se dividem então em um breve ramo posterior e continuam como ramo anterior. Os ramos posteriores fornecem sensibilidade e motricidade para o dorso enquanto o ramo anterior é responsável pela motricidade e sensibilidade dos membros superiores, inferiores e demais músculos toracoabdominais.

1.1 Aspectos funcionais do nervo periférico


Como dissemos anteriormente a maioria dos nervos periféricos espinais é constituído por:

  1. Fibras sensitivas (provenientes do prolongamento periférico do gânglio da raiz dorsal)

  2. Fibras motoras (provenientes das raízes ventrais/coluna anterior da medula)

Os axônios periféricos do gânglio da raiz dorsal, compõem as fibras sensoriais dos nervos e podem terminar tanto em terminações livres como em terminações corpusculares (Ruffini, Pacini, Merkel, Meissner). Essas fibras podem variar em extensão, espessura e cobertura mielínica de modo que são classificadas como tipo A, B ou C.

Após alcançarem o gânglio da raiz dorsal as modalidades sensoriais são retransmitidas pelo prolongamento central dos neurônios ganglionares, os quais formam as raízes posteriores. Essas fibras podem se curvar cranialmente formando os fascículos gráceis ou cuneiformes (constituem a coluna posterior da medula e carreiam as sensibilidade profunda, propriocepção) ou realizarem sinapse na coluna posterior da medula de onde se formaram os tratos espinotalâmicos anteriores e laterais. Detalharemos o aspecto das vias sensitivas intramedulares bem como a sensibilidade craniana trigeminal em capítulo específico. As raízes ventrais são compostas por axônios de células dos cornos anterior, assim como núcleos motores do tronco encefálico. Grandes fibras mielínicas terminam nas fibras musculares.


1.2 Anatomia do sistema nervoso autônomo

O sistema nervoso autônomo (SNA) é responsável por inervar órgãos efetores como vísceras e glândula. A maior parte dele se localiza fora da medula e do tronco cerebral, sendo portanto um importante componente do sistema nervoso periférico. Ele é formado por:

  • fibras pré ganglionares

  • um gânglio autonômico

  • fibras pós ganglionares que realizam sinapse com órgãos efetores (glândulas, musculatura cardíaca ou musculatura lisa de vasos, vias aéreas…)

Além disso o SNA possui uma divisão simpática e uma parassimpática:

A divisão simpática possui fibras pré ganglionares com origem na medula torácica e lombar e gânglios mais próximos da medula (cadeia ganglionar simpática), logo, mais distantes dos órgãos efetores. O neurotransmissor liberado pela fibra pós ganglionar é a norepinefrina e é responsável por reações de luta ou fuga (broncodilatação, taquicardia, inibição da motilidade gastrointestinal, relaxamento vesical…). As fibras pré ganglionares se dirigem para os gânglios paravertebrais por meio do ramo branco, realizam sinapse e as fibras pós ganglionares saem por meio do ramo cinza para compor os nervos espinais

Já a divisão parassimpática possui fibras pré ganglionares com origem cranio-sacral. Seus gânglios se localizam próximo dos órgão efetores o que se traduz em fibras pré ganglionares longas e pós ganglionares curtas. O neurotransmissor liberado pela fibra pós ganglionar é a acetilcolina e possui função inversa da simpática, além de promover a digestão (broncoconstrição, bradicardia, miose, aumento da motilidade intestinal…)


As raízes craniais e espinais (tanto sensoriais quanto motoras) são banhadas pelo líquor e, do mesmo modo, são susceptíveis às substâncias que por ele circulam, sendo que as raízes lombossacrais possuem a maior exposição


O perineuro e endoneuro são dotados do suprimento vascular provenientes dos ramos arteriais. O perineuro compreende as bainhas de tecido conjuntivo que separa os fascículos das fibras neurais, cada fascículo contendo centenas de axônios. A bainha que recobre todos os fascículos se denomina epineuro e se mistura com a dura-máter. Por fim o tecido conjuntivo que recobre as fibras nervosas de forma individual se denomina endoneuro.


Do ponto de vista microscópico, os nervos possuem um arcabouço microtubular que mantém a sua integridade estrutural e são utilizados para transporte de substâncias do corpo celular até a periferia, são também mielinizados pelas células de Schwann. Os espaços entre as células de Schwann se denominam nodos de Ranvier, possuem uma concentração maior de canais de sódio e permitem a condução saltatório do impulso nervoso.

Os nervos atravessam forâmens estreitos como os intervertebrais e craniais e alguns passam por canais apertados como o nervo mediano no túnel do carpo ou o nervo ulnar no túnel cubital o que justifica a susceptibilidade de alguns nervos a compressão ou dano isquêmico.





2 Processos patológicos do nervo periférico:

Os principais processo patológicos dos nervos são:

  • Degeneração walleriana

  • Desmielinização segmentar

  • Degeneração axonal

A bainha de mielina é o elemento mais suscetível da fibra nervosa. Degeneração focal da bainha de mielina, poupando o axônio é chamada de desmielinização segmentar, Nesse processo há o desaparecimento da bainha ao longo de segmentos de comprimentos variáveis o que expõe segmentos do axônios ao ambiente intersticial. A mielina também pode degenerar por doença axonal em um processo que pode ocorrer tanto na região proximal ou distal da interrupção axonal.

Comum a diversas doença de nervo periférico, a degeneração walleriana é uma reação tanto do axônio e da mielina distal ao ponto de interrupção do axônio. Ela também pode ser descrita como “morrer a jusante ou degeneração anterógrada” em um processo em que o nervo degenera a partir do ponto do dano axonal.

Por outro lado, quando o axônio degenera como parte de um fenômeno de “morrer para trás" (dying back) ou degeneração retrógrada” em uma polineuropatia por alterações metabólicas ela é denominada degeneração axonal. Nesse caso o axônio é afetado progressivamente a partir do ponto mais distal para o mais proximal, de modo que a dissolução da mielina acontece de forma paralela com a mudança axonal. Uma explicação possível para esse processo é que o primeiro dano ocorrer no corpo celular que falha na sua função de sintetizar proteínas e encaminhá-las para regiões distais do axônio, algum processos tóxicos e metabólicos afetam os axônios de forma uniforme ao longo do seu comprimento ou dificultam o transporte anterógrado do transporte axonal para a periferia, o dano funcional é proporcional ao tamanho e comprimento dos axônios bloqueados

Na desmielinização segmentar a recuperação pode ser rápida, pois o axônio desnudo, porém intacto apenas precisa ser mielinizado novamente. Desmielinização e remielinização recorrente após lesões de etiologia inflamatória originam formação em bulbo de cebola e alargamento dos nervos


3 Sintomatologia da doença do nervo periférico:


A - Prejuízo da função motora


Fraqueza se apresenta em diferentes padrões e graus em quase todas as neuropatias que afetam as bras motoras. O grau de fraqueza é proporcional ao número de axônios ou motoneurônios afetados.

As polineuropatias que são resultado de dano axonal apresentam fraqueza relativamente simétrica e distal, pois as mudanças patológicas se iniciam nas regiões mais distais de nervos maiores e longos e avançam ao longo da fibra nervosa em direção ao corpo celular.

Os músculos dos pés são geralmente acometidos antes e de forma mais severa do que os da mão e antebraço. Nas formas leve de doença axonal apenas os pés e pernas são acometidos. A medida que a doença progride observa-se o achado clássico de sintomas em padrão bota e luva (pés, pernas e mãos).

Já os músculos cranianos e do tronco são os últimos a serem afetados e apenas em casos acentuados. Esse padrão de lesão se denomina comprimento dependente e tipicamente é em decorrência da degeneração axonal. As neuropatias de origem nutricional, metabólica ou tóxica assumem esse padrão mais distal.

Por outro lado, nas polineuropatias desmielinizantes a natureza multifocal da lesão leva ao bloqueio da condução nervosa (o potencial de ação do neurônio não é transmitido até seu segmento distal e é interrompido ou se dispersa). Frequentemente, causa fraqueza proximal de membro (coxas e ombros) e dos músculos faciais antes ou simultaneamente as regiões mais distais.

Há ainda um padrão de fraqueza neuropática generalizada que envolve todos os músculos dos membros, tronco e pescoço de forma quase simultânea A que melhor exemplifica esse processo é a síndrome de Guillain-Barré, outras causas menos comuns de paralisia generalizada incluem difteria, paralisia de tick e algumas polineuropatias tóxicas

Paralisia bibraquial é uma apresentação incomum de doença neuropática, mas pode ocorrer nas polineuropatias inflamatórias assim como da doença de Sjögren, imunes e ainda paraneoplásicas. A paraparesia não é uma apresentação típica das polineuropatias generalizadas, mas é observada nas inflamações e infecções da cauda equina como ocorre na doença de Lyme, citomegalovírus, herpes e na infiltração neoplásica de raízes nervosas. Paralisia bifacial e outras paralisias dos nervos cranianos comumente acontecem na síndrome de Guillain-Barré, invasão neoplásica, doenças do tecido conjuntivo, HIV, infecção do vírus herpes, sarcoidose, doença de Lyme e algumas das neuropatias metabólicas raras

A atrofia da musculatura fraca ou paralisada é característica da doença crônica do neurônio motor, no entanto neuropatias desmielinizantes relativamente poupam a estrutura muscular devido à ausência de denervação


B - Alteração dos Reflexos tendinosos


As neuropatias estão associadas com redução ou perda dos reflexos tendinosos e se deve, de forma mais frequente, à interrupção da aferência sensorial do arco reflexo monossináptico. O reflexo também pode estar diminuído nos casos de função muscular diminuída, mas isso ocorre principalmente em casos de atrofia extrema


C - Perda sensorial


A maioria das polineuropatias causam prejuízo tanto motor quanto sensorial, mas um está mais afetada que a outra.

No caso das neuropatias tóxicas e metabólicas a perda sensorial, em geral, excede a fraqueza. Nas polineuropatias axonais a sensibilidade é afetada de forma simétrica nos segmentos distais dos membros e mais nos membros inferiores que nos superiores com uma natureza comprimento dependente.

Na maioria dos casos, todos os tipos de sensibilidade (toque-pressão, dor, temperatura, vibração e posição segmentar) estão diminuídos ou perdidos, mas alguns tipos podem ser afetados mais que os outros


D - Parestesia, dor e disestesias


Sintomas sensoriais tendem a ser marcados nas mãos e nos pés. O paciente pode relatar “formigamento”, “dormência” e “choques”.

Em algumas neuropatias parestesia e dormência podem ser os únicos sintomas ao mesmo que uma perda sensorial objetiva pode não ser observada. Algumas neuropatias podem causar dor descrita como em queimação. A perversão da sensação (alodínea) pode estar presente em algumas polineuropatias, que é a percepção como doloroso um estímulo que anteriormente seria indolor como um toque de lençol.


E - Ataxia sensitiva e tremor


As alterações nas aferências proprioceptivas podem causar uma ataxia (incoordenação) de marcha, em decorrência do comprometimento das fibras nervosas que medeiam a propriocepção além das alterações das fibras espinocerebelares. Um tremor de ação pode estar presente em algumas fases de polineuropatia


F – Deformidades:


Em algumas poucas polineuropatias crônicas os pés, mãos e até coluna podem se tornar progressivamente deformados o que é mais provável de ocorrer na infância podendo gerar o pé cavo. A anestesiaa distal do membro pode torna-lo mais susceptível à queimaduras, escaras de pressão e outras formas de dano.A pilificação membro é perdida


G - Alteração autonômica:


Anidrose e hipotensão postural predominam e certos tipos de polineuropatias, elas ocorrem nas amiloidoses e em polineuropatias como a diabética.

Outras manifestações podem ser pupilas puntiformes e plégicas. Lágrimas e saliva, disfunção erétil e esfincteriana e dilatação do esôfago e cólon.


4 Padrões sindrômicos das neuropatias:


A - Polineuropatia

  • Processo generalizado afetando os nervos periféricos

  • Fraqueza simétrica no início bilateralmente

  • reflexos diminuídos ou abolidos

  • gradiente distal proximal

  • Padrão dos déficits em bota e luva (perda de sensibilidade mais pronunciada distalmente nas mãos e pés)

B - Polirradiculopatia:

  • Doença de múltiplas raízes espinais

  • sinais neurológicos podem ser assimétricos

  • Comprometimento proximal equivalente ou mais acentuado que o distal.

  • Fraqueza e zonas de perda sensorial correspondem ao envolvimento de uma ou mais raízes.

  • Por vezes pode simular um nível sensitivo mimetizando o comprometimento medular

C - Mononeuropatia:

  • Fraqueza no território de um único nervo

  • A perda ou alteração sensorial acompanha o trajeto do nervo periférico

D - Mononeuropatia múltipla:

  • Comprometimento de mais de dois nervos periféricos

  • Distribuição assimétrica

  • Alteração de sensibilidade e perda de força obedece diversos territórios de nervos periféricos

E - Plexopatias

  • Sintomas sensitivos e motores acompanham o trajeto do plexo ou de parte dele

  • Envolvem geralmente um membro

  • Perda de força e de sensibilidade que cobrem diversos territórios no mesmo membro

F – Neuronopatia motora e Neuronopatia sensitiva (ganglionopatia):

  • Na neuronopatia sensitiva os gânglios sensoriais são mais afetados do que os nervos propriamente ditos

  • Os sintomas de perda sensorial têm distribuição tanto distal como proximal couro cabeludo, tórax, abdômen e nádegas assim como nas extremidades)

  • Na ganglionopatia há apenas comprometimento sensitivo não há fraqueza

  • Os movimentos podem ser bizarros devido a ataxia sensitiva

  • Já a neuropatia motora é a condição inversa, um acometimento do corno anterior causando fraqueza, fasciculação, atrofia generalizada


5 Diagnóstico:


Após o diagnóstico topográfico da neuropatia, tendo em mente as síndromes, deve-se prosseguir para o diagnóstico etiológico.

Deve-se ser realizada deduzindo se a doença acomete a bainha de mielina, o axônio ou ambos; geralmente o exame neurológico é suficiente, mas quando maior precisão é necessário pode-se usar:

  • Eletroneuromiografia que também permite distinguir entre doenças da fibra muscular (miopatias) da junção neuromuscular ou do nervo propriamente dito.

  • Exames bioquímicos, para identificar estados metabólicos, nutricionais ou tóxicos

  • Exame do líquor, pois um aumento nas proteínas e celularidade indica envolvimento radicular ou meníngeo

  • Biópsia de nervo ou do músculo podem ser úteis para diagnosticar causas vasculíticas de neuropatia

  • Imunoglobulinas e anticorpos antineurais que se relacionam neuropatias imunomediadas

  • Testes genéticos para neuropatias hereditárias

Abordaremos o aspecto etiológico em capítulos posteriores!


Autor: Gabriel Albernaz

Editor: Dr Diego de Castro

 
 
 

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